terça-feira, 16 de março de 2010

"10 anos sem " Dotô Ocride": Euclides Neto, o homem e seu tempo"


Euclides Neto vislumbrando sua gestão como prefeito de Ipiaú

Abione Souza

Euclides José Teixeira Neto, primogênito entre os nove filhos que tiveram seus pais, Patrício Rezende Teixeira e Edith Coelho Teixeira. Nasceu em 11 de novembro de 1925, em um povoado chamado Jenipapo, distrito de Areia, atual Ubaíra-BA. Em 1927, mudou-se com sua família para Tesouras, atual Ibirataia-BA, atraídos pela cultura do Cacau. A sua infância foi intensa com a vivência no meio rural, segundo Marcelo Teixeira:

Desde muito cedo ele [Euclides Neto] já tem identificação com as coisas da roça, de armar laço, pegar o rato puba, o passarinho e também tinha os afazeres para a mãe dele, como levar um litro de leite todos os dias para vender na época de Tesouras (antigo povoado, distrito de Ipiaú), que era uma forma de renda. Isso quando tinha 5 a 6 anos de idade, ele contava que era tão pequeno que tinha medo de uma passagem que tinha um peru que corria atrás dele, e a mãe dele, minha avó Edite, dava a ele uma varinha para que ele pudesse se defender de um peru.

Com oito anos, precocemente para a época, iniciou os primeiros contatos com as letras. Sua escola ficava na roça, onde lecionava uma professora leiga chamada Lurdes. Aos 11 anos, com alguns sacrifícios financeiros de seus pais, Euclides Neto foi encaminhado para Salvador. Estudou no colégio Antônio Vieira e no Central da Bahia. Ao chegar reside no pensionato, propriedade de sua tia Inelsina Coelho. Dois anos depois, com o fechamento do pensionato, Euclides passou a trabalhar em pensão de estudantes dirigida pelo francês padre Torrend, professor do Colégio Antônio Viera, em Salvador.

Neste período, influenciado por seu professor padre Torrend, obtém sua formação ética e política. Entre suas principais leituras, neste período, estavam as obras de Karl Marx, Dostoievski, Tolstoi, Euclides da Cunha e Graciliano Ramos. Com a leitura destas obras, entre outras, esposa idéias socialistas. Em sua vida literária publicou catorze livros, predominantemente utilizando-se da temática social, tratando das contradições entre capital e trabalho, bem como as relações de poder existente entre fazendeiros e trabalhadores das fazendas de cacau no Sul da Bahia, que conhecera bem. Sobre a literatura de Euclides Neto, o escritor Hélio Pólvora comenta:

Descarta os assuntos filosóficos e faz ficcionismo com o que conhece: a terra, o enxadeiro, o posseiro, o parceiro rural, a boca-do-sertão baiano, a caatinga. Paisagens, vivências, mitos, grandezas e misérias do meio agreste, a exploração do trabalho, crimes de mando ferem-lhe a sensibilidade e a fazem sangrar.

Aos dezessete anos, ainda estudante secundarista, escreve o opúsculo intitulado “Porque o homem não veio do macaco” (1943). Em 1945, ao concluir o ensino médio, ingressa na Universidade Federal da Bahia onde iniciou o curso de Direito. Durante o curso publicou os romances Berimbau (1946) e Vida Morta (1947). Nesta época, foi secretário da revista Ergon, dirigida pelo advogado e jornalista José Catarino. Sobre a militância política de Euclides Neto em Salvador, Desidério Neto afirma que No meio político ele tinha muito envolvimento com a leitura de esquerda, suas idéias eram altamente socialistas e chamamos até comunistas, militando no trabalho político do PCB.

Em livro de memórias, Euclides Neto comenta sobre seu ingresso no Partido Comunista do Brasil, ainda estudante secundarista em Salvador.

Nos distantes 1943-44, os ventos açulavam idéias, a juventude buscava veredas novas. (…) Deglutimos de um tudo: Lênin e Gandhi. De René Fullop Miller a um mundo só de Wendel Wilkie. (…) Estávamos em cio intelectual, quando cai a semente: O Capital de um sujeito barbudo, judeu alemão, vivido na Inglaterra. (…) E, num dia primaveril, sol tarrafeando na Bahia de todos os Jorge Amados, depois dos competentes testes de obediência, coragem, decisão, conhecimento, sou recebido num casarão, ali pela ladeira de São Bento, lado esquerdo. Lugar de morar cristão fugido. Quem receberá meu juramento? Havia os monstros sagrados: Mário Alves, Giocondo Dias. Novos novinhos, meninos. O primeiro amarelo, magro, asceta como todo bom revolucionário. O segundo, aloirado, bigode de cotia, ativo. Carlos Mariguella já se considerava em esfera mais superior, andava Rio, São Paulo (…) Milton Tavares tomou meu juramento, batizou-me.

Em seu livro, O partido Comunista que eu conheci, João Falcão discorre sobre a presença de Milton Tavares no Partido Comunista, durante a década de 1940 na Bahia:

Coincidentemente, na mesma época, (abril de 1940) foram presos alguns membros da célula do Ginásio da Bahia, surpreendidos pela polícia quando distribuía boletins subversivos: Célio Guedes, Alderico Mascarenhas, José Schaw da Motta e Silva (Motinha) , Antonio Santos Morais, Milton da Costa Lima e Milton Tavares. Este último era o mais comprometido e ficou na prisão até meados de julho. Ali completou seus 16
Sobre o ingresso de Euclides Neto no Partido Comunista, Milton Tavares Comenta:

Eu conheci Euclides Neto na Faculdade de Direito, hoje Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, que não era ainda a UFBA, pois a Faculdade data de 1946. Ele era 2 anos mais atrasado que eu, mas tínhamos bons relacionamentos e participávamos ambos da idéias mais progressistas da época. Quando em 1945 o partido comunista veio a ser legalizado, eu a ele me filiei, e fui escolhido para ser o secretário geral, que era a denominação do dirigente, secretário geral da célula que se constituiu na Faculdade de Direito. Nesta célula, Euclides pediu e obteve ingresso, por meu intermédio, e militou dentro dela.

Sobre a militância de Euclides Neto na célula do Partido Comunista do Brasil (PCB) na Faculdade de Direito, década de 1940, Luís Contreiras (ex-dirigente Partido Comunista) afirma:

Conheci Euclides Neto pelos idos de 1942 por aí, (…) Em 1945 o Partido Comunista veio à legalidade, nessa época então é que eu conheço Euclides Neto. Me lembro que a sede do partido ficava ali na Ladeira de São Bento, me lembro dos estudantes, que eram um número muito grande da Escola de Direito, foram lá para se filiar ao partido. Ai então eu tive um conhecimento político com ele (Euclides Neto.) [...] Então ele ingressou no partido na célula da Escola de Direito onde fica até 1949 quando se forma e vai para Ipiaú. [...] Eu fui preso em 1975, já na época do governo Geisel e ele (Euclides Neto) foi me visitar na casa de detenção ali no Santo Antônio. Ele mostrou que era um homem que tinha coragem, que em plena ditadura ele teve a sua coragem e a hombridade, com todos os riscos, de me visitar na casa de detenção.

As idéias socialistas agasalhadas por Euclides Neto, não estavam apenas limitadas a sua vida pública. Em âmbito familiar, também passava tais influencias na formação dos seus filhos. Maria Angélia Teixeira (Gelinha) e Patrício Teixeira comentam sobre os princípios políticos preconizados por seu pai:

Eu cresci achando que o mundo seria comunista, então só tinha direito a uma boneca, a um vestido. No Natal só tinha um presente por que ele [Euclides Neto] dizia que havia muitas crianças passando fome. Natal é coisa de burguês. Nós crescemos achando que o mundo seria comunista .

Não podíamos experimentar mais que um sapato, pois o menino pobre não podia ter mais que um par de sapatos. Tínhamos que comer toda comida do prato, pois existia muita gente sem ter o que comer. Era uma conscientização diária.

Concluiu o curso de Direito em 1949 e entre seus colegas de turma estavam Waldir Pires e Clériston Andrade. Ao chegar em Ipiaú, no ano seguinte (1950), instala um escritório de advocacia situado no sopé da íngreme Rua Siqueira Campos. Pela localização de seu escritório, passa ser chamado de advogado do pé da ladeira. Nesse mesmo ano se casa com a jovem Angélia Mendonça Jaqueira, deste matrimônio tiveram cinco filhos. Em sua carreira jurídica, sempre advogou a favor dos trabalhadores rurais. Na sua obra, Trilhas da Reforma Agrária, afirma que “o trabalhador rural sempre tem razão, mesmo quando, aparentemente não a tem: pelo passado de injustiça que seus antepassados sofreram e ele próprio”. Sobre sua profissão de advogado, Euclides Neto, em entrevista ao jornal A Tarde de 18.02.1990, afirmou: “advoguei por 40 anos e nunca para bancos firmas ou exportadores de cacau. Sempre defendi trabalhadores rurais”.

Edvaldo Santiago, presidente da câmara municipal ao longo da gestão de Euclides Neto, relata que:

O seu escritório [de Euclides], às vezes, agente chamava de INPS de tanta gente humilde a ser atendida e chamando Dotô Ocride!, Dotô Ocride!, Dotô Ocride… Mas atendia todo mundo. Eu vi de perto suas atitudes: honesto, correto, direito. Ganhou grandes causas, não se preocupou em ficar rico nem trabalhou por dinheiro, trabalhava porque gostava de ser advogado.

Em 1961, Euclides Neto publicou o romance intitulado “Os magros”. Nesta obra o autor apresenta a discrepância entre a numerosa família de João, trabalhador rural e a família do Dr. Jorge. A primeira é marcada pela miséria. A segunda, como apanágio, ostentava suntuosidade e opulência. Em cada capítulo do romance é apresentada, em contraponto, a discrepância exacerbada entre a família do trabalhador rural, vivendo em extrema pobreza, e a família do abastado proprietário de fazendas de cacau.

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